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Um brinde a elas!

Escrito por Oscar Freitas Jr

Beer Sommelier, Mestre em Estilos e Gerente do Empório Homebrew desde 2017.

A importância da mulher na origem da Cerveja

Quando Kaiser Wilhelm, o último imperador alemão e Rei da Prússia, citou a frase: “Dê-me uma mulher que goste de cerveja e eu conquistarei o mundo”, talvez ele não imaginasse o quão certo estava sua citação. Sem as mulheres a cerveja não chegaria onde está  hoje.

A sua importância para o mundo cervejeiro é histórica e remonta desde a sua origem, pois possivelmente foi uma mulher que depois de armazenar a colheita em vasos, para uso posterior, tenha se “esquecido” e uma chuva tratou de umedecer os grãos que em seguida teria sido posto para secar. Se essa “água” de sobra fora colocada de lado, possivelmente essa sofreu processo de fermentação que produziu álcool a partir do açúcar  criou-se a cerveja.

Como a produção de cerveja era um processo caseiro e cabia a mulher essa função, possivelmente foi uma mulher que “criou” a cerveja.

E esse fato é tão explícito que o mundo antigo está tomado desses exemplos. Na Suméria a deusa da cerveja era uma mulher, e certamente uma das primeiras divindades inventadas pelo imaginário humano. Seu nome, Ninkasi, significava a “dama que enche nossas bocas”. Era filha da deusa-mãe Ninhursag. A primeira receita de cerveja é um cântico a Ninkasi.

Cervejeiras na Europa

Entre os Vikings, o guerreiro morto conseguia a imortalidade bebendo a cerveja feita pelas Valquírias. Tanto eram importantes as mulheres no mundo cervejeiro viking que somente elas podiam produzir a cerveja.

Na Alemanha durante a reforma protestante, Martin Lutero levantou-se contra o dogmatização da igreja católica. Foi um dos principais líderes desse movimento, o que poucas pessoas não sabem é que sua mulher, Catarina, era uma excelente mestre cervejeira.

Na Inglaterra as boas esposas cervejeiras eram tão populares que suas casas eram frequentemente visitadas por pessoas que queriam beber das cervejas que elas produziam. Para se ter uma ideia, no século XIII, conta-se que apenas 8% dos cervejeiros eram homens.

Na Idade Média, na Alemanha, Hildegarda Von de Binden, em um mosteiro alemão, foi a mulher responsável por colocar o lúpulo na cerveja, para conservar o líquido e proporcionar saúde física às pessoas. Na época, a planta que crescia como erva daninha era usada como chá contra ‘desvios de espírito’ (desejo sexual, más pensamentos e para preservar a castidade). A cervejeira virou Santa desde então.

As principais tabernas, a bem da verdade, eram comandadas por mulheres cervejeiras. Em um documento em meados do século XI, o Norman Domesday Book (registo de um grande levantamento da Inglaterra finalizado em 1086, similar a um censo realizado pelos governos de hoje em dia), registrava a existência de 43 tabernas na Inglaterra e no início do século XIV já havia uma para cada 12 habitantes, quase todas eram comandadas por mestres cervejeiras.

Para se ter uma ideia, numa lista de “cervejeiros existentes” durante os séculos XI a XIII, na Escócia, todas eram mulheres. Na mesma época em Edimburgo o número chegava a 300 mulheres cervejeiras.

Mulheres fora!!!

Porém já no século XVI reações moralistas começaram a restringir a prática da mulher na produção de cerveja. A atividade cervejeira representava a independência financeira em relação aos maridos. Na Inglaterra se proibiu a venda de cervejas pelas taberneiras, depois a compra de insumos para produção de cerveja e por último campanhas difamatórias de mulheres que produziam ou vendiam bebidas alcoólicas.  Muitas taxadas como bêbadas não poderiam ser “boas mulheres”, ou no linguajar tosco “boa esposas”. Campanhas massivas foram feitas com essa orientação.

Durante século XVII quando a cerveja começou a ter uma presença mais masculina e grandes empresas surgiram iniciando-se  assim produções em grande escala, a mulher fora quase que definitivamente colocada em segundo plano. A predominância masculina ocorreu pelo seu associativismo às novas tecnologias e comercialização e consideraram as mulheres inaptas para absorver novas tecnologias e suas habilidades pouco comercial, o que era uma característica tida como masculina.

Século XX e a sexualização da mulher

O século XX é conhecido por diversas forma, pelo ressurgimento da mulher no processo cervejeiro, mas também pela sua sexualização. Se no início tínhamos a mulher reassumindo seu papel como cervejeiras em frentes de batalhas na primeira guerra mundial, no final desse século a mulher estava ligada a sexualizão em propandas de cerveja em massa. “As musas” sempre apareciam com suas roupas minúsculas em ambientes predominantemente masculino, com jovens bem comportados para lhe dar um “calor” e assim beber mais. Durante o fim do século XX e início do século XXI, as principais cervejas do Brasil tinham suas “musas”. A impressão que se passava era que o homem deveria escolher suas cervejas pelas mulheres que representavam a marca.

Algumas marcas iam mais além, a Skol, hoje tentando entrar no mercado cervejeiro premium com a Skol Hops e a Skol Puro malte, lançou em 2015 uma campanha de carnaval com diversas frases como “Topo antes de saber a pergunta”, “Tô na sua, mesmo sem saber qual é a sua” e “Esqueci o não em casa”. Tal campanha teve uma reação imediata de grupos femininos que rejeitaram tal objetivação da mulher na propaganda. Outro exemplo clássico é da Conti Bier, que idealizava um paraíso onde lindas mulheres serviam a cerveja a um rapaz. E alguém se lembra do “Vem verão?”, pois então.

São quase nulas as marcas de cerveja de massa que escapam dessa objetivação das mulheres nessa época.

Hoje

Com a mudança de hábitos e o revigoramento das cervejas artesanais a mulher começou a retornar para o mundo cervejeiro. Ditando seu papel, independente de gênero, ela está presente em todas as áreas do meio cervejeiro, como administradora, cervejeira, sommeliere, enfim em todos os campos. Em um meio ainda predominantemente masculino, a mulher tem tido um espaço fundamental para a revolução cervejeira.

Para se ter uma ideia, o número de homens em relação às mulheres que consumiam cerveja no início do século XX era o dobro. Já no início do século XXI e nos dias de hoje esse número chega a se igualar. Se percebermos bem, o primeiro dado do início do século XX é idêntico ao reinício da retomada da mulher no meio cervejeiro. No meio das cervejas artesanais estima-se que as mulheres são mais de 20% desse mercado consumidor e continua crescendo.

Não é uma disputa de sexo, mas estamos vivendo um novo momento. Um momento de resgate de valores abafados, perdidos ao longo de séculos, e esses valores têm sido resgatados pelos trabalhos de muitas meninas que tem dado exemplos de que mulheres, como homens, querem qualidade no que estão experimentando e produzindo. Mas mais do que isso, é o reconhecimento e a valorização de todo o trabalho e a importância que a mulher sempre teve no meio cervejeiro. Nada de mais está acontecendo além do que ver a mulher retomar o lugar que sempre fora seu.

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