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Homebrew – Como fazer cerveja em casa

Escrito por Oscar Freitas Jr

Beer Sommelier, Mestre em Estilos e Gerente do Empório Homebrew desde 2017.

Homebrew, que em inglês significa “cervejeiro caseiro”, é um hobby fantástico de produção de cerveja artesanal em casa. Esse movimento começou a mais de 30 anos, principalmente nos EUA, e hoje envolve uma legião enorme de seguidores, por isso fazer cerveja em casa é hoje um dos hobbies que mais crescem no mundo e envolve criatividade (de montar seus próprios equipamentos e receitas), curiosidade (de querer saber sempre mais o que acontece na cerveja), estudo (sempre ler para conhecer a fundo a teoria por trás de tudo) e vai até o grande prazer de beber sua própria cerveja junto com seus amigos.

Cerveja caseira não tem nada a ver com aquelas receitas da avó, com açúcar queimado, clara de ovo e fermento de pão. Cerveja caseira é com Água, Malte, Lúpulo e Levedura cervejeira. Esses 4 ingredientes foram referenciados há muitos anos como ingredientes únicos na produção de cerveja por uma lei da Baviera (região de Munich na Alemanha), conhecida como lei da pureza alemã Reinheitsgebot.

Essa lei foi escrita em 1516, e hoje serve de marketing de qualidade para produtores alemãs e até algumas cervejarias ao redor do mundo que embarcaram nessa lei para referenciar seus métodos.
Porém a arte supera leis, em países como a Bélgica, surgiram estilos de cerveja que aceitam ingredientes que vão além de malte, lúpulo, água e levedura. Ingrediente como raspas de laranja, semente de coentro, candy sugar, aveia, frutas, mel e entre outros, veem, não para baixar custos, mas sim para auxiliar na complexidade dos sabores e aromas das cervejas. Hoje o mundo é aberto a criatividade e não há limites para a imaginação.

Ser cervejeiro caseiro não é seguir regras, muito menos uma descrita há 500 anos. Nós cervejeiros caseiros seguimos a lei da criatividade, se inspirando em diversas escolas e experiências próprias para criar novas receitas.

Então, como se produz cerveja em casa com qualidade?

Antes de tudo conheça sobre o que a vai ser feito. Estude o estilo de cerveja escolhido, beba algumas cervejas desse estilo, leia guias de estilos, como o BJCP, onde são definidos, com base em estudos realizados em cervejas referências do estilo, como que esse estilo deve ser. Características, como cor, sabor, sensação na boca, graduação alcoólica, amargor, são alguns dos critérios que definem a diferença, às vezes sutil, entre um estilo e outro. Ao final desse estudo você pode montar sua receita, ou pegar alguma/ou um kit de receita já criada por alguém na internet, loja especializada ou amigos cervejeiros.

Seguir uma receita é o primeiro passo para o início do processo de brassagem. Nela são definidas os ingredientes: quantidades de água, tipos e quantidades dos maltes (de cevada, de trigo, e outros), tipos de lúpulos e leveduras. Também define os tempos e temperaturas de maceração (ou mistura – cozimento do malte), tempo de fervura, tempos para adição dos lúpulos, e tempos e temperaturas de fermentação.

É importante salientar 3 coisas para que sua cerveja dê certo: Cuidado com as temperaturas, cuidado com sanitização e por último e mais importante, cuidado com a sanitização! Tudo pode dar errado na brasagem, tempos, quantidades, etc, mas irá virar cerveja se você não contaminar, o que depende de uma boa sanitização. Se contaminar, o destino será o ralo. Então lembre-se dessa dica.

Vamos brassar?

Brassagem é o termo usado para definir o processo de fazer a cerveja. Esse processo é realizado em alguns poucos passos, que são:

1 – Moagem:

Sua receita já definiu os maltes ou adjuntos que serão utilizados, agora você deve moê-los para expor o amido, que será convertido em açúcar no processo posterior, maceração. É importante ter uma moagem consistente, sem transformar o grão em farinha, e sem ter grãos inteiros. É importante também manter a casca dos grãos o mais intacta possível, assim facilitará a clarificação.

2 – Maceração/mostura:

É aqui que se gera os açúcares que vão ser fermentados pelas leveduras e transformados em álcool e CO² (gás). Nessa etapa o amido hidrolisado, por ação de água e temperatura, é atacado pelas enzimas presentes no malte, que o degradam, quebrando suas longas cadeias moleculares em cadeias menores, os açúcares, principalmente maltose. Maltose são açúcares altamente fermentáveis, e são gerados por enzimas β-amilase, nas faixas de temperatura de maceração (mostura) entre 60°C e 65°C. Além da maltose, outros açúcares são importantes, como as dextrinas. Esses por sua vez são açúcares mais complexos, e não fermentáveis, que dão corpo à cerveja. São gerados pelas enzimas α-amilase, em etapa de maceração acima 66°C, e principalmente próximo aos 70-72°C. Depois de gerados os açúcares, as enzimas são desativadas a uma temperatura de 76°C.
Tempo estimado dessa etapa: Pouco mais de 1h.

3 – Clarificação:

Etapa essa que consiste em separar/limpar o mosto (calda doce resultante da maceração) do bagaço do malte. Normalmente se recircular o mosto através de um filtro pré-instalado na tina de mostura, que pode ser um fundo vazado (fundo falso) ou filtro em tubo, bazuka. Esse filtro com a ajuda da casca do malte, segura as partículas de amido residual e cascas menores, mantendo o bagaço de malte na tina de mostura, enquanto o mosto filtrado é transferido para a tina de fervura. Também se pode utilizar um BAG, como um filtro de café especifico, que ao ser retirado, leva o bagaço embora deixando o mosto limpo na tina.
Tempo estimado dessa etapa: 30min.

4 – Lavagem:

Esse processo nada mais é que adicionar água previamente aquecida entre 76 e 80°C à tina de mostura, lavando os açúcares ainda presentes no bagaço do malte. Esse processo em alguns equipamentos não ocorre, pois toda a água usada no processo é adicionada já no início da brassagem na tina de mostura (ex. brew in a Bag).
Tempo estimado dessa etapa: 30min.

5 – Fervura:

É aqui que se adicionam os lúpulos. A fervura é importante para esterilização do mosto e isomerização dos α-ácidos dos lúpulos em iso-α-ácidos, agora solúveis no mosto e que geram o caráter de amargor, característico das cervejas. Além disso o lúpulo, que são flores de uma planta da família das trepadeiras, são complexas e ricas em óleos essenciais de aroma e sabor, que dependendo do tempo de adição ao mosto, esses óleos voláteis persistem, gerando sabores e aromas a cerveja, como notas cítricas, herbais, florais, e até frutadas.
Tempo estimado dessa etapa: Entre 1h e 2h dependendo do estilo e da receita.

6 – Whirlpool:

Essa palavra vem do inglês, e significa redemoinho. Após o término da fervura, é feito um redemoinho com ajuda de uma pá cervejeira, ou bomba, para que os lúpulos e proteínas do mosto decantem no centro da tina de fervura, evitando que sejam arrastados para os resfriadores e para a fermentação.
Tempo estimado dessa etapa: Entre 10 e 20 min.

7 – Resfriamento:

O mosto está a quase 100°C, e você precisa colocar a levedura, porém, se fizer isso agora, irá matar as leveduras, que não suportariam a alta temperatura. Além do mais, a temperatura da fermentação descrita na sua receita (que varia de acordo com o estilo fabricado e tipo de levedura), vai ser no máximo 22°C iniciais. Para baixar de 100°C para menos de 22°C é necessário o uso de chillers, ou resfriadores. Existem vários modelos, serpentina de inserção, de placas, de contra fluxos, etc. O importante é baixar a temperatura.
Tempo estimado dessa etapa: Entre 25 min e 1h.

8 – Sanitização:

O mosto está frio, rico em nutrientes e a única matéria viva que se quer habitando esse ambiente é a levedura cervejeira. Sanitizar é eliminar microorganismos que possam contaminar sua cerveja. É muito importante a limpeza e sanitização de todos os itens (utensílios e principalmente o fermentador) que entrarem em contato com o mosto já frio. Assim sendo, seu chiller de placas e de contra pressão também devem ser sanitizados.

9 – Fermentação:

Agora com o mosto frio, em temperatura de fermentação indicada na receita, se inicia o processo de fermentação, onde o fermento se multiplica, consome os açúcares fermentáveis do mosto, transformando em álcool e gás carbônico (CO²). No processo de cerveja caseira, o CO² não é mantido no fermentador primário. Ele é eliminado por um filtro chamado airlock, que possibilita a saída do CO² e dificulta entrada de micro organismos para dentro da fermentação.
Essa etapa durará em média de 4 dias a 7 dias. Lembre-se, sempre sanitize tudo que entrar em contato com o mosto frio ou a cerveja pronta.

10 – Decantação/maturação: Depois de consumido todo o açúcar do mosto, a levedura entra em estado de hibernação, e começa a precipitar para o fundo do fermentador. Nesta etapa devemos baixar a temperatura para próximo de 0°C para acelerar esse processo para ter um mosto limpo, com menos levedura possível.
Tempo estimado de 7 dias.

11 – Envase:

Sua cerveja está pronta, porém, sem CO². Para gerar o gás/CO², devemos gerar uma pequena fermentação na garrafa. Para isso, se coloca uma quantidade calculada de açúcar invertido, chamado priming, junto com a cerveja na garrafa, e então se fecha essa garrafa com tampinhas novas. Essa pequena quantidade de açúcar será fermentado pelas leveduras presente na cerveja engarrafada gerando quantidade suficiente de CO² para carbonatar sua cerveja. Como a garrafa está fechada, o CO²/gás será diluído/absorvido na cerveja. Lembre-se: Antes de envasar, deve-se, sanitizar tudo que for entrar em contato com a cerveja pronta. Então sanitize tudo, envasadores, tampinhas, garrafas, etc.
Esse processo leva entre 4 a 7 dias.

12 – Beber:

Essa etapa creio não precisar de explicação.

Dica: Depois da refermentação na garrafa, a cerveja já está pronta para ser degustada, porém é importante uma maturação. A etapa de maturação arredonda sabores e os tornam mais agradáveis. Algumas cervejas exigem maior tempo de maturação, e outros menor tempo. Vá experimentando e vendo a evolução da sua cerveja. Compartilhando esses momentos com seus amigos e familiares.

Um brinde a sua cerveja!

Texto publicado originalmente na “Revista de Boteco” número 1 em setembro de 2017.

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